quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

A Volta dos Que Não Foram












A Volta dos que Não Foram

E outras versões

De volta estou na prazerosa tentativa de escritor/colunista, e durante o tempo que se passou de uma primeira edição a uma outra segunda, resolvi adquirir certa experiência, me embebedar de inspirações. Fiz o que achei mais óbvio; ler diversos colunistas de diversos jornais e revistas. Também acabou chegando as minhas mãos, por presente de uma amiga, um livro-coletânea de diversos textos de Marcelo Rubens Paiva, colunista durante anos da Folha de São Paulo. De todas as inspirações e conclusões tiradas uma ficou muito clara: colunistas sempre citam fatos de sua vida pessoal. O que não fica muito claro é o motivo de fazerem isto. Porém, mesmo assim, sem saber o motivo, fiz o mesmo, como vocês já devem ter percebido. Partindo então desta linha de pensamento, lhes contarei a estória do surgimento da segunda edição de Respeita Januário. Deixando também um espaço para um conto de Nasrudin, mestre sufi (muito “poRpular”), que acreditava no desenvolvimento da consciência através da sabedoria e do bom humor*. Outro acréscimo a nossa coluna foi a vértebra Dicas de Escuta, músicas para serem apreciadas e discutidas. Sem mais lero-lero, vamos à estória.

“Durante uma tarde quente e chuvosa do mês de maio, estava eu na casa do amigo e editor desta revista, o Tigre. Discutíamos sobre qual assunto tratar no próximo Respeita Januário, quando uma idéia surgiu no intervalo de tantas outras. – Vamos falar dos mortos. Disse ele num tom muito alegre para o assunto. Lembrei de Van Gogh, que não tem nada a ver com música poRpular** brasileira, mas que a seu modo carrega uma certa poRpularidade. – Podemos lembrar dos que só foram lembrados, depois que já era tarde demais para nos lembrarmos deles. Continuou ele de maneira ainda mais alegre”.

“O título veio a minha mente num relâmpago, “A Volta dos que Não Foram”, a volta, depois de mortos, dos que não foram sucesso durante a vida. Adorei. Dá-lhe pesquisa e por trabalho do destino que nos ajuda quando menos esperamos, fiquei sabendo que um filme sobre a obra e vida de Cartola estava em cartaz. – Cartola fez sucesso em vida. Disse a mim mesmo. – Tá, mas já estava quase morrendo. Vou assistir. Entretanto por algum motivo de ordem temporal, ou eu estava sem grana, ou estava bebendo uma cerveja em casa, ouvindo Cartola. Resumindo não vi o filme. Numa tentativa de auto-justificação pensei: - Porque não lembrar também dos que foram e voltaram, ou quem sabe até dos que nem chegaram a ir, pois com a mídia e o poder das gravadoras e rádios por trás fica dificílimo ficar por cima”. Fim da estória.

Seguindo a seqüência de acontecimentos, começo por Cartola, já que ele morreu duas vezes. Isto mesmo, Cartola, sambista dos mais poéticos e melodiosos, autor de músicas inesquecíveis, chegou a ser dado como morto e músicos amigos dele até escreveram canções de despedida. Mas acaso do mesmo destino prestativo, foi encontrado lavando carros nas ruas do Rio de Janeiro por Sergio Porto, o Stanislaw Ponte Preta, jornalista e também músico autor do engraçado “Samba do Crioulo Doido”. Resgatado então gravou discos e caiu na boca poRpular.

Já os que foram e não voltaram, posso citar com tristeza a história de Assis Valente, compositor brejeiro e baiano, que durante as décadas 30 e 40, era disputado por vários intérpretes, incluindo Carmem Miranda e Silvio Caldas. Mas como a máquina do sucesso não pode parar e atropela quem estiver no caminho, ele foi esquecido, inclusive por quem o venerava. Angustiado e solitário tentou o suicídio: uma primeira vez, se atirando do Corcovado; uma segunda, cortando os pulsos e uma terceira fatal, na qual bebeu uma garrafa de guaraná com formicida. Morreu na Praia do Rússel, Rio de Janeiro no dia 10 de março de 1958.

Até mesmo o famoso Adoniran Barbosa cronista da vida paulistana, que não foi esquecido e enterrado em vida a exemplo de seus contemporâneos, tais como Lamartine Babo e Herivelto Martins, questionou essa dura realidade dizendo em uma de suas músicas: “...o rádio que hoje toca iê-iê-iê o dia inteiro, tocava Saudosa Maloca...”.

Bom, os que não foram nem voltaram, estes ficam guardados apenas no coração de sua gente, em cantos populares e folclóricos, em músicas de domínio público que nossas crianças fazem questão de contar e cantar. E no fim, mesmo que estas estórias não sejam fábulas, acho que podemos tirar uma lição de moral: o que foi, deve ou pode ser o que sempre será, ou melhor ainda, o contrário de fumo é vortêmo.