

A Volta dos que Não Foram
E outras versões
“Durante uma tarde quente e chuvosa do mês de maio, estava eu na casa do amigo e editor desta revista, o Tigre. Discutíamos sobre qual assunto tratar no próximo Respeita Januário, quando uma idéia surgiu no intervalo de tantas outras. – Vamos falar dos mortos. Disse ele num tom muito alegre para o assunto. Lembrei de Van Gogh, que não tem nada a ver com música poRpular** brasileira, mas que a seu modo carrega uma certa poRpularidade. – Podemos lembrar dos que só foram lembrados, depois que já era tarde demais para nos lembrarmos deles. Continuou ele de maneira ainda mais alegre”.
“O título veio a minha mente num relâmpago, “A Volta dos que Não Foram”, a volta, depois de mortos, dos que não foram sucesso durante a vida. Adorei. Dá-lhe pesquisa e por trabalho do destino que nos ajuda quando menos esperamos, fiquei sabendo que um filme sobre a obra e vida de Cartola estava em cartaz. – Cartola fez sucesso
Seguindo a seqüência de acontecimentos, começo por Cartola, já que ele morreu duas vezes. Isto mesmo, Cartola, sambista dos mais poéticos e melodiosos, autor de músicas inesquecíveis, chegou a ser dado como morto e músicos amigos dele até escreveram canções de despedida. Mas acaso do mesmo destino prestativo, foi encontrado lavando carros nas ruas do Rio de Janeiro por Sergio Porto, o Stanislaw Ponte Preta, jornalista e também músico autor do engraçado “Samba do Crioulo Doido”. Resgatado então gravou discos e caiu na boca poRpular.
Já os que foram e não voltaram, posso citar com tristeza a história de Assis Valente, compositor brejeiro e baiano, que durante as décadas 30 e 40, era disputado por vários intérpretes, incluindo Carmem Miranda e Silvio Caldas. Mas como a máquina do sucesso não pode parar e atropela quem estiver no caminho, ele foi esquecido, inclusive por quem o venerava. Angustiado e solitário tentou o suicídio: uma primeira vez, se atirando do Corcovado; uma segunda, cortando os pulsos e uma terceira fatal, na qual bebeu uma garrafa de guaraná com formicida. Morreu na Praia do Rússel, Rio de Janeiro no dia 10 de março de 1958.
Até mesmo o famoso Adoniran Barbosa cronista da vida paulistana, que não foi esquecido e enterrado em vida a exemplo de seus contemporâneos, tais como Lamartine Babo e Herivelto Martins, questionou essa dura realidade dizendo em uma de suas músicas: “...o rádio que hoje toca iê-iê-iê o dia inteiro, tocava Saudosa Maloca...”.
Bom, os que não foram nem voltaram, estes ficam guardados apenas no coração de sua gente, em cantos populares e folclóricos, em músicas de domínio público que nossas crianças fazem questão de contar e cantar. E no fim, mesmo que estas estórias não sejam fábulas, acho que podemos tirar uma lição de moral: o que foi, deve ou pode ser o que sempre será, ou melhor ainda, o contrário de fumo é vortêmo.